MURAL LITERÁRIO
Partida
Efêmero déjà vu da manhã de ontem.
Mãos para o alto.
Pernas abertas pra não cair.
Penduramento de gente viva.
Muita mão suada deslizando vidro.
Rachado em dias quentes, inundado
por chuvas altas. Pernas correndo.
Não balança. Trem é balança.
Ninguém cai, a multidão esmaga antes.
Tem até quem durma em pé, com a ponta
do dedinho apertado na ferrugem, fingindo
equilíbrio com sapatos amassados.
Mas a vida, a vida tá rondando a pressa.
A vida tá na corrida até a porta, na
bolsa grudada, no banco brigado a
socos e pontapés, nas mãos calejadas,
no salto agulha, na água, no amendoim,
no salgadinho pisoteado, na voz
distante do maquinista – um vão
vazio que separa o povo do vagão.
Jéssica Moreira / CLIPE Poesia 2020, do seu Livro "VÃO: trens, marretas e outras histórias” (Pa